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Funai é obrigada a rever e aumentar território da Terra Indígena Waimiri-Atroari

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Funai é obrigada a rever e aumentar território da Terra Indígena Waimiri-Atroari

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) terá que rever e aumentar o território da Terra Indígena Waimiri-Atroari, localizada às margens da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), entre os estados do Amazonas e Roraima. A decisão é do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que negou os recursos de apelação apresentados pela Funai e pela União e manteve a obrigação de concluir o processo administrativo de revisão da demarcação do local no prazo máximo de 24 meses.

O acórdão determina que a revisão dos limites deve abranger toda a extensão tradicionalmente ocupada pelo povo Waimiri-Atroari e não apenas a área alagada pela construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Balbina, no Amazonas, como inicialmente delimitado. Em caso de descumprimento, há previsão de multa diária de R$ 10 mil.

A ação do MPF foi proposta em razão da inércia e omissão do Estado em cumprir seu dever constitucional. O TRF1 reconheceu que a desocupação da área pelos Waimiri-Atroari não ocorreu de forma espontânea, mas foi motivada exclusivamente pela inundação provocada pela represa de Balbina, no vale do Rio Uatumã.


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Demarcação inicial restringiu território indígena

A demarcação original, de 1971, excluiu indevidamente áreas vitais utilizadas pela etnia após o Decreto n.º 94.606/87. O parecer do MPF destacou a existência de fartos elementos técnicos e antropológicos que comprovam a ocupação tradicional das áreas atingidas, ressaltando que a demora na revisão dos limites coloca em risco a sobrevivência física e cultural do povo Waimiri-Atroari.

O tribunal reconheceu que há “robusta documentação técnica atestando que a região pleiteada como extensão da Terra Indígena Waimiri-Atroari foi de fato ocupada de forma contínua por essa etnia até sua expulsão forçada pela inundação” e que a omissão do Estado é manifesta, “pois, desde 2008, a Funai recebeu recomendação formal do MPF para promover a revisão dos limites da TI Waimiri-Atroari e, passados anos, não adotou providências concretas para tanto, embora tenha iniciado estudos preliminares”.

Destruição e quase genocídio

O povo Waimiri-Atroari, também conhecido como os Kinjás, quase foi extinto durante o processo de abertura da rodovia BR-174, pela ditadura militar (1964-1985). Eles chegaram, conforme relatos do indigenista Porfírio Carvalho, a menos de 500 indivíduos, quase todos jovens e adolescentes.

A maior parte do extermínio aconteceu após o chamado massacre do padre Caleri, que liderava uma expedição com o objetivo de contactar e iniciar amizade com os Waimiri-Atroari e afastá-los das regiões por onde a estrada passaria. Dos dez integrantes da expedição, nove morreram em outubro de 1968, ficando vivo apenas o mateiro Állvaro Paulo da Silva, o mineiro Alto.

“A expedição era constituída, além do padre, por nove pessoas, duas delas mulheres, conforme relação a seguir: os mateiros Álvaro Paulo da Silva e Manuel Mariano Ferreira; operador de fonia João, conhecido como cara de onça; cozinheiro Manuel Nascimento; funcionários do DNER Benigno Ribeiro Mendes, conhecido como Piauí, Eduardo Francisco de Oliveira, Aragão Rodrigues de Oliveira; Marina Pinto da Silva, mulher de Aragão e Maria Mercedes Sales. A intenção do padre ao compor a expedição com a presença de mulheres, era mostrar aos índios que a missão tinha assim fins pacíficos”, escreveram os jornalistas da época com informações fornecidas pelo comando do 6⁠º Batalhão de Engenharia de Construção, o famoso 6º BEC.

A retaliação dos militares foi desproporcional e, conforme relato de um ex-padre e hoje ativista social Egidio Swade, houve massacres, guerra biológica, com os indígenas sendo expostos aos vírus da varíola e da gripe, o que foi devastador para os adultos e os mais velhos.

A situação dos Waimiri-Atroari só voltou a se estabilizar quando, nos anos 80, Porfírio Carvalho voltou à Funai e costurou o acordo que permitiu a criação do Programa Waimiri-Atroari (PWA), que recebia recursos da Eletrobras como forma de compensação pela devastação causada pela formação do lado da hidrelétrica de Balbina.

Com os recursos, eles criaram com o apoio da Funai uma rede de saúde indígena eficaz e também escolas para educação na língua materna, o que permitiu a recuperação da cultura e dos costumes ancestrais.

O marco da recuperação demográfica aconteceu em outubro de 2003, quando nasceu Kinjá, o milésimo Waimiri-Atroari. Hoje, conforme o Censo 2022, eles já são mais de cinco mil indivíduos, que vivem em um território de 2.586.000 milhões de hectares, dividido entre os rios Uatumã, Negro e Branco, nos Estado o Amazonas e de Roraima.

Até hoje, contudo, há conflitos causados pelo contato com os usuários da rodovia, pois elas fica fechada para o tráfego de veículos de passeio no período de 18h às 5h, todos os dias. Um deputado de Roraima tentou há cinco anos derrubar a corrente usada pelos Waimiri-Atroari para fechar a estrada, mas foi expulso pela espécie de guarda que eles mantêm nas duas bordas da rodovia.