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Vila Amazônia: decreto que expropriou e expulsou japoneses de Parintins ainda está em vigor

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Vila Amazônia: decreto que expropriou e expulsou japoneses de Parintins ainda está em vigor
Vila Amazônia hoje é um assentamento agrícola tocado pelo Indra. (Reprodução/Internet)

A Segunda Guerra Mundial encerrou, definitivamente, no dia 15 de agosto de 1945, há 80 anos, quando o Japão se rendeu incondicionalmente frente às forças do general norte-americano Douglas MacArthur, mas até hoje existem resquícios e entulhos legislativos deixados pelo conflito e que seguem tendo impactos, por exemplo, na Amazônia.

Nesta segunda-feira (29/9), por exemplo, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados aprovou um projeto, de deputado Kim Kataguiri (União Brasil/SP), que torna sem efeito um decreto de 1942, do presidente Getúlio Vargas, que permitiu ao governo brasileiro “apropriar bens de indivíduos de ascendência alemã, japonesa e italiana.

O decreto segue vigente, embora não seja usado em função de ter perdido a finalidade, que era responsabilizar os filhos destes países pelos atos de seus governos.

Foi com base neste decreto, de número Decreto-Lei 4.166/42, que o Governo do Amazonas desapropriou imóveis e o patrimônio de quase mil japoneses que vieram morar e trabalhar na Colonia Vila Amazônia, em Parintins, uma história que mesmo com o fim da vigência deste decreto não vai acabar.

A história da Vila Amazônia começou com o fim do primeiro ciclo da borracha, pois tanto o Amazonas quanto o Pará ficaram sem uma atividade econômica para desenvolver a população. Como os japoneses já haviam chegado ao Brasil para plantar café no interior de São Paulo, houve contato entre os governos para eles virem para a região com as mesmas benesses oferecidas pelos paulistas.

De acordo com o cientista social parintinense e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Aldenor da Silva Ferreira, em diálogo transmitido pela Biblioteca Nacional, “o processo todo (de imigração) envolveu cuidadoso planejamento. Uma equipe veio estudar o local antes de enviar o primeiro grupo de kôtakusei – assim chamados os alunos formados pela Kokushikan Kôtoku Takushoku Gakkô, a ‘Escola Técnica Nacional de Desenvolvimento Agrícola”‘.

Nessa escola os rapazes se preparavam por cerca de um ano, estudando língua portuguesa e aspectos da cultura, da geografia, da política e da economia do Brasil. A primeira turma chegou em 1931 – há 94 anos. Ao todo foram sete turmas de kotâkusei, totalizando mais de 250 jovens vindos do Japão e que em Parintins constituíram famílias e deixaram raízes antes de serem expulsos das terras deles e perderem todo o patrimônio construído até 1942.

“Este anacrônico decreto já era injusto em 1942, uma vez que os imigrantes e filhos de imigrantes alemães, japoneses e italianos no Brasil jamais deveriam ter sido responsabilizados pelas ações dos governos do Eixo. Hoje, a referida norma não se coaduna com o Estado Democrático de Direito”, afirmou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), relator do projeto na comissão.

Kim Kataguiri (União-SP), afirma que revogar esse decreto é um passo simbólico, mas de grande importância. A revogação agora pela Comissão de Constituição e Justiça da casa.

Em 1946, um decreto do então presidente Eurico Gaspar Dutra devolveu os bens e direitos dos cidadãos italianos. Demais bens confiscados de alemães e japoneses foram devolvidos ao longo dos anos. Restava o prédio de uma escola japonesa em Santos (SP), que havia sido ocupada pelo Exército e foi devolvida em 18 de junho de 2018 à Associação Japonesa de Santos, durante as comemorações dos 110 anos da imigração japonesa ao Brasil.

Os bens não reclamados foram incorporados ao patrimônio da União, o que é o caso da Vila Amazônia, onde as intempéries da região e a fuga dos colonos para outras regiões praticamente deixaram a vila abandonada e as vítimas do decreto getulista sem a restituição de seus bens e propriedades. Atualmente a Vila Amazônia é um assentamento agrícola que foi feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, além de receber obras do Governo do Amazonas, como a estrada da Valéria, que está em construção e um novo porto, já entregue pelo governo.

Quem ficou acabou incorporado a paisagem urbana da cidade e hoje diversas famílias originárias do Japão participam da Associação Nipo-Brasileira de Parintins, que durante muito tempo organizou o caminho de volta de descendentes dos japoneses da Vila Amazônia que foram trabalhar no Japão, os chamados dekasseguis, a partir da metade dos anos 90.

Há descendentes que até enveredaram pelos caminhos dos bumbás de Parintins, caso do compositor de toadas do Caprichoso Guto Kawakami.


 

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Efeito econômico duradouro da imigração japonesa

A atuação dos japoneses na Amazônia  foi especialmente benefíca para a economia, como era o desejo dos governadores de então, que viram a agricultura prosperar e garantir emprego, renda e impostos. Com a adaptação da juta, planta aquática de origem indiana, um novo ciclo econômico de riqueza e prosperidade surgiu na região de Parintins, que por mais de 60 anos foi o principal fornecedor de sacos para envasar o café brasileiro, prinncipalmente para a exportação.

O mesmo ocorreu no Pará com a introdução da lavoura da pimenta-do-reino. Lá os imigrantes japoneses inauguraram, por exemplo, a agricultura dos NPKs (adubo químico de Nitrogênio, fósforo e potássio) e da tratorização na Amazônia.