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A polêmica do “true crime”: afinal, criminosos recebem dinheiro quando seus crimes inspiram filmes e séries?

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A polêmica do “true crime”: afinal, criminosos recebem dinheiro quando seus crimes inspiram filmes e séries?

Sempre que surge uma nova atração de sucesso no gênero “true crime”, as produções baseadas em crimes da vida real, as pessoas começam a repetir uma velha história: “Essas séries e filmes só servem para dar dinheiro para os criminosos”.

A recente série do Prime Video, “Tremembé”, virou tópico de discussão nacional ao abordar, misturando realidade com ficção, as histórias dos prisioneiros famosos do presídio do interior paulista. Pessoas como Suzane von Richthofen, Alexandre Nardoni, Roger Abdelmassih e Elize Matsnuaga, autores de crimes que chocaram o Brasil, tiveram suas histórias dramatizadas na série e voltaram a ter seus delitos comentados pelas pessoas. E muita gente de novo falou que os criminosos da vida real iriam receber dinheiro por causa do sucesso da série.

“Tremembé”, aliás, fez tanto sucesso que já teve a segunda temporada confirmada pelo Prime Video. O segundo ano deverá trazer as histórias de novos personagens, como o ex-jogador Robinho, e especula-se que os crimes sexuais do ex-empresário Thiago Brennand também serão abordados. Mas a produção também confirmou que alguns personagens do primeiro ano deverão retornar.

E a polêmica continua: Afinal, essas pessoas que cometeram crimes terríveis acabam recebendo algum tipo de benefício financeiro quando suas histórias são adaptadas para o cinema ou para o streaming? Vamos esclarecer…


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Crimes da vida real

Nos últimos anos, o gênero “true crime”, que aborda casos criminais reais, tomou conta das telas e caiu nas graças dos espectadores, principalmente nos streamings. Temos visto uma grande onda de documentários e séries e filmes de ficção sobre casos reais, e essa é uma tendência mundial.

O pioneiro da tendência foi a minissérie “Making a Murderer”, de 2015, que causou sensação na Netflix quando foi lançada, abordando o caso real de Steve Avery, que passou mais de 25 anos preso por assassinato e depois acabou sendo inocentado dos seus crimes, embora continue encarcerado. A produção iniciou a onda do “true crime” na Netflix e provocou grande discussão nos Estados Unidos sobre o caso e o processo de encarceramento no país.

Outra produção que teve grande sucesso foi a minissérie ficcional da Netflix “Dahmer: Um Canibal Americano”, que relembrou os crimes do serial killer Jeffrey Dahmer e ganhou vários prêmios.

No Brasil, tivemos produções que tiveram grande repercussão, como a minissérie documental “Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez”, ou a trilogia de filmes “A Menina que Matou os Pais”, sobre o caso Von Richthofen. E a cada vez que uma produção dessas é lançada, especialmente se for de ficção, volta a questão da compensação financeira para os autores dos crimes.

Bem, a resposta é não: autores de crimes não recebem dinheiro quando suas histórias ou crimes são recontados em forma de produções de ficção ou documentários.

Nos Estados Unidos, existe uma legislação específica para isso, o conjunto de leis chamado “Son of Sam Laws” que trata exatamente desse tópico e que impede que assassinos lucrem com seus atos de violência por meio de livros, filmes, programas de televisão e outras formas de mídia. As leis foram inspiradas no caso do assassino em série David Berkowitz, apelidado de “Filho de Sam”, que fez várias vítimas em Nova York nos anos 1970.

E no Brasil?

Embora não haja no país uma legislação específica para isso, como nos EUA, de modo geral isso também não ocorre. Tramitam no congresso projetos de lei que visam impedir criminosos de lucrarem com livros ou filmes sobre seus atos, mas até o momento nenhum foi devidamente aprovado.

O que prevalece na maioria dos casos é a lei do direito autoral: “Tremembé”, por exemplo, foi baseada nos livros do jornalista Ulisses Campbell. Ele escreveu “Tremembé: O Presídio dos Famosos”, “Suzane: Assassina e Manipuladora” e “Elize Matsunaga: A Mulher que Esquartejou o Marido”.

Os livros foram baseados em registros públicos sobre os casos, e em documentos como laudos e atas dos julgamentos, todos divulgados publicamente. Então, os criminosos reais não têm direito a nenhum tipo de remuneração.

Sobre os criminosos retratados na série, Campbell disse à imprensa:

“Para a série, eles não são nem procurados. Eles não tiveram nenhum contato — os criminosos não tiveram contato nem comigo, nem com a produção, nem com os atores. Como são biografias não autorizadas, no livro eu tenho obrigação jornalística de procurá-los para saber se querem se manifestar, e todos disseram que não, que não quiseram. Então, o livro é produzido sem interferência deles”.

Também houve uma decisão em 2015 do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.815, que autorizou a produção de obras baseadas na vida de figuras públicas, incluindo criminosos de grande notoriedade. A Corte entendeu que fatos de ampla repercussão social integram a memória coletiva e são protegidos pelo direito à informação e à liberdade de expressão, desde que não violem direitos de personalidade.

Além disso, segundo a advogada especialista em direito autoral Letícia Peres, a legislação brasileira possui mecanismos para impedir enriquecimento ilícito de autores de crimes reais com filmes ou programas. Quando há condenação, o Ministério Público ou as vítimas podem solicitar à Justiça o bloqueio de valores, garantindo que qualquer eventual remuneração seja destinada ao pagamento de indenizações e à reparação de danos.

“A Justiça costuma avaliar se há vínculo entre o conteúdo divulgado e os fatos criminosos, podendo restringir ou redirecionar os ganhos obtidos”, diz a advogada.

É a mesma informação que foi dita pelo roteirista de “A Menina que Matou os Pais”, Raphael Montes, quando os filmes foram lançados em 2023. Em post no Instagram, ele esclareceu.

“As pessoas retratadas no filme nunca receberam nem irão receber nenhum valor ou pagamento. Eles não possuem nenhum direito sobre a obra. O filme é uma adaptação de uma história real baseada exclusivamente nos depoimentos transcritos nos autos do processo. Esses autos são públicos. A interpretação dos fatos e das versões é facultada ao público.

Os filmes não apontam inocentes ou culpados, tampouco romantizam ou enaltecem os assassinatos. Os filmes são produções feitas com investimento privado. Não há nenhum uso de verbas públicas em suas realizações”.

Claro, persiste uma discussão ética em torno dessas atrações. É ético um streaming ou uma produtora audiovisual lucrar com uma história real com desdobramentos terríveis e que trouxe sofrimento para algumas pessoas? É algo a se considerar antes de dar um play na série ou filme que está dando o que falar. E o retrato que o filme ou série cria dessas pessoas? A proposta é válida ou é apenas sensacionalismo?

No entanto, os espectadores dessas atrações podem ficar tranquilos quando a um aspecto: nem Suzane, nem Alexandre, nem Elize ganharam dinheiro com “Tremembé”.

*Com informações de Isto É Gente e Terra