O consumo de vísceras bovinas, historicamente visto com reservas por muitos brasileiros, vem conquistando novos espaços na gastronomia nacional. O aproveitamento de fígado, rim, língua e coração deixou de ser restrito a receitas de família e cozinhas regionais, passando a integrar cardápios de restaurantes, feiras e açougues especializados. O interesse mescla memória afetiva, redescoberta de sabores intensos e valorização dos benefícios nutricionais destes alimentos.
O fígado, por exemplo, lidera essa retomada. Presente em grelhas e refogados, é reconhecido por seu sabor intenso e pela concentração de ferro, vitaminas do complexo B e vitamina A. Em muitas cozinhas, ele aparece como alternativa nutritiva e acessível, além de servir de base para patês e preparações artesanais.
“Se o caso for de anemia, a dieta tem que ser rica em fígado“, diz a gastróloga Cláudia Azevedo, ponderando que o consumo excessivo é ruim, principalmente, para mulheres grávidas e quem tem níveis de ácido úrico elevado, dado o alto teor de vitamina A e purinas.

Língua bovina ganha espaço contemporâneo
A língua bovina, por sua vez, conquistou novos públicos, especialmente a partir de programas de culinária voltados para novos cortes de churrascos. O cozimento lento revela carne macia e suculenta, que depois segue para sanduíches, saladas ou pratos tradicionais.
Restaurantes do Sul e do Sudeste têm resgatado versões clássicas, enquanto chefes revisitados propõem cortes finos, marinadas e apresentações contemporâneas. Em Manaus, o restaurante do Mineiro, na avenida das Torres, é um clássico. A língua servida em espetos corrido, uma tradição que remonta aos anos 80 e que começou numa casa do conjunto Raiz, zona Sul de Manaus.
A iguaria também possui versões gourmetizadas em locais como o Ferrugem Rock Gourmet, do chef Thiago Santana. Lá, a língua acompanha molho especial, champignons, farofa e crisps de couve, receita vencedora do concurso Comida di Buteco que permanece no cardápio.

Coração e rim valorizam tradição e sabor
O coração bovino, por ser um músculo firme, apresenta textura e sabor marcantes. Ganhou popularidade em churrascos urbanos e nas bancas de Manaus, além de ser destaque em receitas de inspiração andina, como os anticuchos. Para preparar em casa, o ideal é retirar o excesso de gordura, lavar bem em água corrente e evitar o ponto bem-passado, garantindo maciez e suculência.
Nas bancas de churrascos de Manaus já é uma presença constante, mas se você for testar em casa fique atento a essa dica:
Tire o excesso de gordura e lave bem em água corrente para tirar todo o sangue. Por ser uma peça fresca, o sangue é presente. Outra dica importante de como preparar coração de boi para churrasco, é não deixar a carne chegar ao ponto de bem passada.

O rim, mesmo sendo menos popular, encontra público fiel. Com preparo correto, revela sabor característico e textura macia, geralmente aplicado em refogados, cozidos e pratos caseiros de raiz brasileira.

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Alto valor nutricional
Além do sabor, esses cortes oferecem alta densidade nutricional, com proteínas, minerais e vitaminas essenciais. O custo, inferior ao dos tradicionais cortes nobres, torna as vísceras uma alternativa econômica e saudável. No entanto, nutricionistas recomendam moderação, sobretudo a pessoas com restrições relacionadas ao ácido úrico.
A redescoberta das vísceras reflete o interesse do brasileiro por comida com história, sustentabilidade e aproveitamento total dos animais. Esse movimento respeita tradições culinárias e estimula práticas alimentares mais responsáveis.
“A maioria das pessoas evita vísceras em casa, mas quando visitam churrascarias do Sul ou países como Argentina e Uruguai, fazem questão de experimentar e aprovar”, relata a gastróloga Cláudia Azevedo.
Ela ressalta que, no Uruguai, praticamente todas as partes do boi são aproveitadas, até o sangue é utilizado na produção de morcelas, linguiças típicas da região.