
A farinha nossa de cada dia não é mais a mesma! Sofisticou-se, evolui nos sabores, matérias-primas e, principalmente, no preço. Em Manaus, um bom quilo de farinha do Uarini sai por até R$ 12, mas se o produtor adiciona alho, cebola, curry, calabresa, páprica, pimenta ou outro tempero, rapidamente você tem uma garrafa de 400 gramas sendo comercializada por R$ 25 em uma rede de supermercados.
A economista Cinthia Damasceno explica que esta sofisticação é um fenômeno do capitalismo moderno: agregação de valor a um produto tradicional. Geralmente a agregação vem por meio de inovação, e inovação, diz ela, custa caro.
Até o atual momento de diversificação de sabores e matérias-primas, a única agregação de valor a farinha feita desde que os primeiros humanos se instalaram na Planície Amazônica e passaram a cultivar a mandioca e a macaxeira foi a uniformização do grão, inovação introduzida intuitivamente pelos produtores do município de Uarini, na região do Médio Rio Solimões, no último quarto do século passado.
A farinha do Uarini tornou-se, agora, o padrão desejado pelo consumidor, que abandonou a famosa “farinha d’água”, também conhecida como farinha “baguda” ou “quebra dente”. Outra que perdeu espaço foi a “farinha seca”, mais áspera e sem uniformidade dos grãos. Ambas têm nos mercados e feiras de Manaus preços bem mais acessíveis que a Uarini saborizada.
A farinha do Uarini também foi repaginada e até um novo nome recebeu e agora é conhecida pelos mais novos como “farinha ovinha”, posto que não mais é produzida somente no município que lhe emprestou o nome inicial.
Da produção em sítios e fazendas, a farinha agora tem todo o ciclo de produção e venda ao consumidor feito por empresas de todos os portes. No Distrito Agropecuário da Suframa, a Galo da Serra produz, saboriza e envasa em garrafas plásticas a farinha seca.

A produção chega a 20 toneladas ao mês e é totalmente comercializada em pequenas tabernas e redes de supermercados.
Outra pequena empresa, a Farofa Pronta do Pará, faz dois movimentos para ganhar o consumidor com um paladar diferenciado para a nossa Ovinha. O produto é transformado em farofa e temperado com pedaços de calabresa.
Também no Distrito Agropecuário da Suframa (DAS), a empresa Raiz Amazônica também aposta nas farinhas saborizadas para ganhar o mercado consumidor de Manaus e espalhar seus quase dez tipos diferentes de farinha ovinha, com destaque para os sabores de alho e cebola.
Na feira da Ceasa, o comerciante José Antônio de Souza vende farinhas e farofas saborizadas que compra de produtores rurais do município de Tefé. Os preços variam entre R$ 20 e R$ 25 o quilo, mas isso não afasta o consumidor de Souza, há mais de vinte anos comercializando este tipo de produto.
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No Pará: inovação, ciência e tecnologia
Historicamente ligadas à produção de farinha de mandioca — base da alimentação local —, as comunidades rurais do Pará desenvolviam com o auxílio da Embrapa, de forma artesanal, farinhas a partir de outras fontes como banana, milho, puba, cará e até a multimistura, um mix de farinhas usado no combate à desnutrição infantil.
A criação da Rede Bragantina fez essas farinhas voltaram a aparecer em feiras e eventos em Belém, cidade que vai sediar a COP-30, em novembro.
Mas o salto de qualidade só veio com a parceria e inovação social, resultando em adequações tecnológicas e boas práticas no todo processo de fabricação.
Antes, a secagem era feita ao sol e os equipamentos eram rudimentares, exigindo esforço físico extremo. Durante o inverno amazônico, período mais chuvoso, as perdas se acumulavam e a produção parava. Com o Projeto Quirera, secadores elétricos adaptados e treinamentos em boas práticas reduziram perdas pela metade.
Equipamentos e peças de reposição de baixo custo, fáceis de manter e encontrar, como ventiladores, carrinhos de padaria e resistências de fritadeira elétrica, tiveram o uso adaptado para melhorias de ferramentas agroindustriais eficientes. Como resultado, a produção quadruplicou e a qualidade aumentou gerando farinhas de maior durabilidade, respeitando a legislação vigente.
O diferencial do Quirera e dos projetos de inovação social foi tratar a comunidade como parceira desde o início.
“O conhecimento tradicional teve o mesmo peso da ciência em todo processo. Ouvimos e adaptamos soluções às necessidades locais”, destaca a pesquisadora da Embrapa Oriental, Laura Abreu, coordenadora do projeto.